Verbete

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Autora do verbete: Eunice Tapuia

 

Tapuia Registro 01
Crianças Tapuia da Jornada Ampliada no Colégio Estadual Indígena Cacique José Borges (CEICJB). Aldeia Carretão. Foto: Juliana Aparecida, 2025.


Identificação de Autodenominação
 

Inicialmente, é preciso esclarecer que, ao longo da história, o nome Tapuia foi comumente utilizado para designar indígenas que não aceitavam a chamada “pacificação”, sendo conhecidos como “os rebeldes, que não dá para serem amansados”. Esse nome foi atribuído aos indígenas do Aldeamento Carretão pelas populações das redondezas. Para essas populações, esse grupo não era considerado indígena porque, segundo seus critérios, não possuía os traços identitários que concebiam como próprios dos povos indígenas. Dizer que não eram indígenas era, portanto, uma forma de legitimar a apropriação de suas terras. Havia, assim, uma dualidade conveniente: ora eram classificados como não indígenas, ora como indígenas “não legítimos”, conforme os interesses da sociedade local.

Como os povos indígenas que formaram esse grupo pertencem ao tronco Macro-Jê — sendo constituído por diferentes povos indígenas, além de pessoas não indígenas e negras — o termo Tapuia foi ressignificado como nome do próprio povo. A expressão “do Carretão” passou a ser usada para diferenciá-los de outros grupos chamados Tapuia no Brasil.

Atualmente, autodenominam-se: Povo Indígena Tapuia do Carretão.


Língua

O Português Tapuia é o resultado da miscigenação histórica e cultural desse povo, tendo em vista diferentes povos indígenas formadores desse grupo, além também das influências do tupi, que influenciou muito o português brasileiro e, por consequência, também o Português Tapuia. Esse português possui ainda muitos elementos das línguas africanas, devido ao casamento das duas matriarcas com homens negros.

“...Nota-se, por fim, que o Português Tapuia não é Karajá, não é Xavante, nem é Caiapó. Ou seja, os Tapuia não podem falar a língua de um povo somente. O povo Tapuia é Tapuia, isto é, formado por negros, brancos, Karajá, Xavante e Caiapó. Da mesma forma, o português Tapuia é uma língua Tapuia (RODRIGUES, 2014, p. 15)".

Assim, a língua é o que o povo é. E este povo sofreu privações culturais, sociais e também linguísticas. No seu trabalho de graduação, Rodrigues afirma:
“A língua materna desse povo indígena é o seu português étnico, constituído de uma estrutura gramatical e de uma base lexical românica, sem dúvida, mas significativamente modificadas pelo colorido e pela melodia das línguas indígenas Macro-Jê faladas pelos povos indígenas que participaram da formação do Povo Tapuia (RODRIGUES, 2014)".


Demografia

Assim como ocorre com muitos povos indígenas no Brasil, é difícil determinar o número exato de pessoas do Povo Tapuia vivendo atualmente em seu território, devido ao fluxo contínuo de saída e retorno. Em muitos casos, quando uma família deixa o território, a mudança envolve todos seus membros, e não apenas um ou dois indivíduos, exceto quando se trata de estudantes que se deslocam para cursar faculdade.

Nos últimos anos, o número de integrantes do povo tem aumentado. Contudo, permanece o fato de que há mais Tapuia vivendo fora do território do que dentro dele. Além disso, há divergências nos dados fornecidos pelos diferentes censos institucionais, como os da SESAI, CIMI e FUNAI.

O Censo Demográfico de 2022 registra cerca de 220 indígenas vivendo no território (IBGE, 2022). Outras fontes apontam 230 ou 268 pessoas, distribuídas em aproximadamente 56 famílias.

Vejamos a seguir os gráficos informativos disponíveis até 2009:

Tabela Tapuia do Carretão
Gráfico Tapuia do Carretão

Aspectos Históricos

O que conhecemos hoje como povo indígena Tapuia do Carretão é uma população formada como consequência da política do Diretório dos Índios (1757) e das Instruções de 1771, que tinham como objetivo catequizar e “civilizar” os povos indígenas da região (NAZÁRIO, 2016)". São pessoas descendentes dos indígenas que viveram no Aldeamento Pedro III, fundado em 1788, no Vale do São Patrício.

No local foram reunidos indígenas de diferentes povos, principalmente A’we Uptabi (Xavante), Akwê (Xerente), Mebêngôkre (Kayapó) e Iny (Karajá/Javaé), o que gerou um intenso contato cultural e linguístico, cheio de violências em todas as áreas desse povo. Com o objetivo de apagar traços indígenas, o casamento interétnico era muito incentivado e, por isso, houve também a miscigenação com negros vindos das fazendas próximas, e não indígenas da região, dando origem assim ao povo que hoje é conhecido como Tapuia do Carretão. Nesse processo, as línguas indígenas foram sendo substituídas pelo português, resultado das políticas coloniais que impunham o abandono das línguas nativas.

“Durante os séculos XVIII e XIX, os Tapuia passaram por um processo de desindianização e invisibilização, mas permaneceram na região do antigo aldeamento, mantendo seus vínculos familiares e comunitários. No século XX, enfrentaram invasões e conflitos fundiários com fazendeiros e posseiros, agravados pela ocupação do interior de Goiás (NAZÁRIO, 2016)".

No ano de 1942, o último capitão Simeão Borges de Aguiar saiu do território com as anciãs Maria Catarina, Arcante, Benedito e Bento (criança na época). Saíram para se encontrar com o presidente no Rio de Janeiro, mas, em Goiânia, foram recebidos pelo então governador Pedro Ludovico Teixeira. Fizeram a denúncia dessas invasões, mas somente no ano de 1948, no governo de Coimbra Bueno, o território foi demarcado com significativa redução, não levando em conta a sede do antigo aldeamento, nem as doze léguas em quadra que os velhos tanto lutavam para proteger, além de a demarcação ter sido feita em forma de glebas não contínuas.

Somente em 1979 o grupo teve o primeiro contato com a FUNAI, quando D. Olímpia e seu filho foram a Brasília em busca de apoio. A partir desse contato, a antropóloga Rita Heloisa de Almeida comprovou a descendência indígena do grupo e sua ligação com o antigo Aldeamento Pedro III, o que deu início ao processo de reconhecimento oficial (NAZÁRIO, 2016)".

Mesmo após esse reconhecimento, a luta pela terra continuou e ainda permanece. A desintrusão dos posseiros do território demarcado e a homologação só veio a acontecer em 1999, após décadas de resistência. Durante esse processo, os Tapuia contaram com o apoio da Diocese de Rubiataba, na figura do bispo diocesano Dom Carlinhos, que acionou o CIMI, da FUNAI e da PUC-Goiás.

Atualmente, o povo Tapuia segue reafirmando sua identidade por meio da educação intercultural, da valorização de sua memória e do fortalecimento das relações com outros povos indígenas. Sua trajetória é marcada por luta, resistência e reconstrução identitária, resultado de séculos de contato, opressão e perseverança.


Situação da Terra Indígena

O povo indígena Tapuia do Carretão vive no território demarcado e homologado com duas glebas não contínuas denominadas Carretão I e II, ou Gleba I e II, localizado entre os municípios de Rubiataba e Nova América (GO). Lutam ainda pela demarcação do seu território ancestral, essencial à continuidade da identidade desse povo, uma vez que é o lugar onde estão os seus cemitérios (todos os cemitérios Tapuia ficaram de fora dessa demarcação), o território de caça, pesca e coleta. Este território abrange os municípios de Nova América, Rubiataba, Morro Agudo de Goiás, Crixás e Araguapaz.

A Terra Indígena (TI) dos Tapuia do Carretão teve uma primeira demarcação no ano de 1948. Uma segunda demarcação realizada em 1984 reduziu seus limites originais. A TI foi dividida em duas glebas não contínuas: a Gleba 1, subdividida em Gleba 1-A (porção norte), localizada no município de Nova América, e Gleba 1-B (porção sul), localizada no município de Rubiataba, totalizando 1.666 hectares; e a Gleba 2, localizada também no município de Nova América, com 77 hectares. As duas glebas perfazem um total de 1.743 hectares (PLANO DE GESTÃO TERRITORIAL, 2020)".

A Terra Indígena dista 280 km de Goiânia e 380 km de Brasília, na mesorregião do Centro Goiano, no Vale do São Patrício Goiano, tendo como rio principal o Rio Carretão, conhecido pelos não indígenas como Rio São Patrício.


Modos de Organização e Lideranças

Este povo tem sua organização política baseada nas decisões coletivas, escutando e valorizando a voz dos/das anciãos e anciãs e dos/das mestres/as dos saberes do povo. Além disso, possui cacique, vice-cacique e uma Associação denominada Associação dos Índios Tapuia do Carretão – AITCAR (o termo “índios” da Associação será mudado para “indígenas”, o que ainda não foi feito porque a Associação estava passando por um processo de regularização documental, finalizado recentemente). A última e primeira presidenta (mulher) da Associação faleceu no dia 13 de novembro de 2024.

Além disso, este povo possui importantes lideranças que também fazem parte da organização política, a saber: as mulheres da Casa de Farinha Tapuia; o vereador Cleiton Tapuia (primeiro vereador indígena no estado de Goiás); e Eunice Pirkodi Tapuia – primeira doutora indígena de Goiás e professora adjunta da Universidade Federal de Goiás.

Existem dois Conselhos na comunidade: o Conselho Simão Borges, do Colégio Estadual Indígena Cacique José Borges, que trata das questões da educação na comunidade; e o Conselho Local de Saúde, que trata dos assuntos da saúde indígena juntamente com a SESAI e a Prefeitura de Nova América.


Território Tapuia do Carretão
Território e Mapas

Galeria de Fotografias - OPIG

Fontes e Referências - verbete Tapuia do Carretão